"E se me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar." (Clarice Lispector)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sick and sad world




Não saber

Não saber. Existe troço pior que não ter notícias da pessoa amada, agora que ela vaga por aí cheia de vida enquanto você tenta soterrá-la no seu peito com pás e mais pás de festas chatas e romances sem ciúmes? Claro que sim. Durante a nacional ditadura militar, presos tinham um arame enfiado pela uretra e depois esquentado com maçarico no outro extremo. E quando o metal fervia grudando na mucosa interna, era abruptamente removido pelo torturador. Mas também, que me lembre é só.

Não saber teria o título de pior saudade disponível no mercado, caso o IBGE, o Ibope ou o InMetro resolvessem catalogar os graus desse lamento tão brasileiro. Achar perdida nas almofadas do sofá uma correntinha barata rende um sonho agonizante com aquele que o doutor mandou esquecer. Aí danou-se. Você acorda cinza, com um caroço de manga no diafragma, se perguntando como anda fulano.

Joga com as armas que tem. Como Sherlock Holmes, não resiste e invade as redes sociais atrás de indícios da assobiante existência dele longe do seu domínio. Sua vontade é encontrar fotos obscuras, de alguém condoído, posto a mudar-se para a Transilvânia, sentindo uma aparente falta sua como fosse você tão imprescindível quanto os quatro incisivos da arcada dentária. Que nada! Olha ele na praia indo buscar o frisbee. Olha ele bebendo duas latas de cerveja de uma vez. Olha ele abraçado numa vaca. Você olha, olha, olha, mas não vê. O sexto sentido de mulher capta algo intraduzível naquele semblante congelado. Elementar, minha cara. O não saber.

Não saber se ele ainda usa aquela camiseta dos Rollings Stones para dormir, se começou a fumar, que dia finalmente vai receber o canudo de jornalista, se colocou o prometido piercing na língua, se voltou a escrever poemas e se escreveu algum com seu nome. Ou talvez, se pensa um pouquinho em você sempre que vai ao cinema antes de comer sushi.

Aflitivo é não ter a menor noção se ele tem ficado doente, se insiste com a mania simples de andar de havaianas, tanto faz se indo à praia ou jantar na casa da sogra. Não saber se ele fez novos amigos, conheceu outros lugares ou ainda frequenta aquele pub inglês. Não saber se já deu flores, andou de mãos dadas com alguma menina, se esqueceu o sexo de vocês dois, se a vida dele continua ou se ele olha pra trás de vez em quando.

Torturante é saber que seguem o mesmo número de telefone, o nome da rua, o jeito de menino, o humor incorrigível, o abraço que aquecia, a mordida na orelha que resfriava ou o choque térmico que acometia sua dorsal com aquele sorriso breve. O que, pensando bem, seria melhor nem lembrar. Ou, se não for pedir muito, também não saber.

(Gabito Nunes)

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